terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Que Verdadeiramente Mata Portugal  


O que verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo, simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espectaculosamente estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.

Quando numa crise se protraem as discussões, as análises reflectidas, as lentas cogitações, o povo não tem garantias de melhoramento nem o país esperanças de salvação. Nós não somos impacientes. Sabemos que o nosso estado financeiro não se resolve em bem da pátria no espaço de quarenta horas. Sabemos que um deficit arreigado, inoculado, que é um vício nacional, que foi criado em muitos anos, só em muitos anos será destruído.

O que nos magoa é ver que só há energia e actividade para aqueles actos que nos vão empobrecer e aniquilar; que só há repouso, moleza, sono beatífico, para aquelas medidas fecundas que podiam vir adoçar a aspereza do caminho.
Trata-se de votar impostos? Todo o mundo se agita, os governos preparam relatórios longos, eruditos e de aprimorada forma; os seus áulicos afiam a lâmina reluzente da sua argumentação para cortar os obstáculos eriçados: as maiorias dispõem-se em concílios para jurar a uniformidade servil do voto. Trata-se dum projecto de reforma económica, duma despesa a eliminar, dum bom melhoramento a consolidar? Começam as discussões, crescendo em sonoridade e em lentidão, começam as argumentações arrastadas, frouxas, que se estendem por meses, que se prendem a todo o incidente e a toda a sorte de explicação frívola, e duram assim uma eternidade ministerial, imensas e diáfanas.

O país, que tem visto mil vezes a repetição desta dolorosa comédia, está cansado: o poder anda num certo grupo de homens privilegiados, que investiram aquele sacerdócio e que a ninguém mais cedem as insígnias e o segredo dos oráculos. Repetimos as palavras que há pouco Ricasoli dizia no parlamento italiano: «A pátria está fatigada de discussões estéreis, da fraqueza dos governos, da perpétua mudança de pessoas e de programas novos.»


Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora'

terça-feira, 1 de outubro de 2013

AUTÁRQUICAS 2013



Após algum tempo sem dar a devida atenção a este meu pequeno blog, fruto do tempo dispendido em campanha eleitoral para as autárquicas do passado dia 29 de Setembro, no qual fui candidata pela Coligação Mafra Merece Mais, que integrava o CDS-PP, o MPT e o PPM, cá estou eu de volta.

Para alguns amigos deve ser estranho o facto de nesta coligação não constar o PSD, partido do qual fui militante. Pois é, para melhor muda-se sempre... E eu mudei, para o CDS/PP, por uma questão de convicção, de valores, de princípios... 

O resultado destas eleições, foi no mínimo surpreendente em todos os quadrantes políticos, muito graças ao desalento e desconfiança que paira sobre a nossa Sociedade Civil. 

Para mim? Foi o expectável, atendendo a toda a conjuntura mafrense.

Há contudo, algo que me deixou deveras surpreendida: Os níveis elevadíssimos de abstenção.

Falemos um pouco dela:

Abstenção, palavra originária do latim abstentio, significa a privação ou desistência voluntárias de um direito político, cívico ou social, de acordo com o maravilhoso dicionário Priberam da Lingua Portuguesa (versão online, está visto). Ainda recorrendo à preciosa ajuda desta modernice chamada internet e que nos liberta de extensas horas em uma qualquer biblioteca, onde temos de folhear livros e livros e de sentir o cheiro de papel velho e encadernações duras e tão antigas que se fossem seres vivos por certo já teriam morrido (que saudades tenho desses tempos em que computadores eram americanices e estudante que era estudante ia para as bibliotecas), mas como estava a dizer, recorrendo ainda à internet fui pesquisar o signficado da palavra abstenção, na nossa maravilhosa enciclopédia online, a Wikipédia, onde encontramos tantos assuntos que alguns deles ainda nem foram inventados, mas a nossa wikipedia já sabe que vão ser, valha-nos isso, e encontro a seguinte definição:
Em Política, abstenção é o ato de se negar ou se eximir de fazer opções políticas. Abster-se do processo político é visto como uma forma de participação passiva. Também importante de referir que a abstenção eleitoral é uma atitude aceite por anarquistas e muitas vezes condenada por alguns democratas. Para todos os efeitos, a abstenção não deve ser encarada como recusa de participação e irresponsabilidade, mas sim como "cegueira social" desencadeada por fatores externos aos cidadãos, a qual num Estado dito "democrático" deveria ser analisada amplamente de forma a promover a inclusão social, e participação das populações na política.

 Perante tais definições, resolvi deixar a nostalgia apoderar-se de mim e voltar aos meus tempos de criança em dia de eleições.

Cresci a ouvir os meus pais dizerem: "filhos, vão tomar banho, para se vestirem e que hoje a mãe e o pai TÊM de ir votar". A determinada altura, questionei a minha mãe sobre o seu orgulho em ir votar assim como o regresso a casa com a sensação do dever cumprido, ao que a minha mãe me disse:

"Filha, nada entendo de política, nada entendo de governar um País tenho, assim como o teu pai, a 4ª classe feita com distinção, mas sei o quão difícil foi o caminho para chegar aqui, para podermos votar. Além disso, como posso criticar alguém por não fazer o que deve, se eu não me manifestei nessa altura, não achas?"

Passaram anos e quando fiz os meus 18 anos, como jovem revoltada que era (nem sei muito bem porque me revoltava, acho que era moda, era como se diz hoje... cool) recusei-me a ir votar numas quaisquer eleições; como se costuma dizer, caiu o Carmo e a Trindade em casa dos meus pais. O meu pai dizia: "Que vergonha, uma filha minha não querer votar", a minha mãe, por entre lagrimas reclamava: Filha minha TEM de votar, era o que faltava". Após tanta insistência e cara feia, acabei por ir votar. Ou isso ou de certeza que seria deserdada...

Hoje sou mulher adulta ainda que continue revoltada.

Revoltada pelos baixos salários que aufiro, revoltada pelo meu pai ter trabalhado até aos 70 anos e receber uma miséria inferior ao SMN, revoltada pelo valor da reforma da minha mãe, a qual é inferior ao IAS, revoltada por não saber qual será o futuro do meu filho, mas acima de tudo revoltada por ver TANTO Zé Povinho a fazer manifestações por tudo e por nada, sendo que se concentram aos milhares por cidade portuguesa e quando deveriam EFECTIVAMENTE mostrar a sua indignação... Acobardam-se...

Os níveis de abstenção nestas autárquicas mostraram bem que vivemos uma crise de valores e não apenas económica ou financeira. Falta-nos o orgulho de ser Português, falta-nos a força que os nossos antepassados tiveram para lutar pelo que queriam sem o recurso a manifestações publicas (até por serem proibidas) e muito menos manfestações com direito a "minis" e "bifanas ou entremeadas".

Assim, 

Como podemos nós IGNORAR, o seu sacrifício, a sua luta desigual, muitas vezes dando a própria vida pelo NOSSO direito ao voto? Como podemos nós exigir algo de um Governo, seja ele nacional, regional ou local, se nos recusamos a escolhê-lo, quando a isso somos chamados? Como podemos manifestar-nos nas ruas de uma qualquer cidade, vila ou aldeia, quando fomos responsáveis pelos acontecimentos que levaram ao descontentamento?

Para finalizar, resta-me apenas deixar algo para meditação:
Se as manifestações contra todas e quaisquer medidas adoptadas pelos Governos (nacional, regional e local) fossem proporcionais aos eleitores votantes nestas últimas eleições... Estes mesmos Governos não se precisariam de preocupar, nem mudar nada, porque a eles... ninguém os quer mudar...
Privação ou desistência voluntária de um direito político, cívico ou social

"abstenção", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/absten%C3%A7%C3%A3o [consultado em 01-10-2013].
Privação ou desistência voluntária de um direito político, cívico ou social

"abstenção", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/absten%C3%A7%C3%A3o [consultado em 01-10-2013].

quarta-feira, 31 de julho de 2013


 

Parlamento aprova 40 horas semanais e requalificação


Após uns excelentes 10 dias de férias, sinto-me como um PC velho que temos necessidade de fazer actualizações para que o mesmo volte a funcionar correctamente. Efectivamente, nestes últimos dias tem sido isso que me tenho dedicado a fazer dado que o nosso pequeno País à beira mar plantado, está pior que uma Microsoft, sempre com novas “aplicações”.

Assim, após alguns updates referentes às informações disponibilizadas, não posso silenciar-me perante uma situação que me gerou além de desagrado, também alguma indignação e até exaltação. Depois de me acalmar resolvi partilhar o motivo para tais sintomas.

Anteriormente ao 25 de Abril (atenção que não tenho nada contra esta data), ser funcionário público era sinónimo de inteligência, de prestigio, de saber; logo após o referido 25 de Abril, ser funcionário público era sinónimo de militância no partido político até então perseguido por um regime ditatorial que não permitia uma verdadeira liberdade política. Após a estabilidade dos primeiros anos da instauração da democracia neste nosso velhinho País, se alguém tinha um amigo, de um amigo de um primo ou de outro qualquer parentesco que precisasse de trabalho, arranjava-se uma cunhazita e… o senhor ou senhora lá passava a integrar os quadros da… Função Pública.

Ora bem, não tenho nada contra estas pessoas, que na realidade acredito que como em todos os empregos serão uns excelentes profissionais e outros nem por isso, mas impõe-se então fazer um paralelismo com o sector privado. Antes do 25 de Abril, trabalhar no sector privado era o mais comum e infelizmente isso acontecia geralmente com as classes mais desfavorecidas e iletradas que se sujeitavam a patrões verdadeiramente ditadores e exploradores. Após o 25 de Abril, trabalhar no sector privado era uma clara manifestação de tentativa de protecção dos “fascistas” e como tal era mais fácil integrar o sector público, como já referi. E hoje?

Hoje é mais ou menos assim: Um funcionário do sector privado responde geralmente a um anúncio de emprego (mais ou menos idêntico ao sector público em que existe abertura de concurso e se fazem as candidaturas), mas é após a admissão em ambos os sectores, que tudo se altera: o funcionário publico trabalha 35 horas semanais e o privado trabalha 40; o funcionário público ameaça produzir menos se aumentar o horário para as 40 horas enquanto o funcionário privado se esforça por fazer horas extraordinárias não remuneradas para agradar às chefias; o funcionário público recebe o seu vencimento a partir do dia 20 de cada mês, o funcionário privado recebe no último dia útil do mês que se coincidir com o fim-de-semana passará a ser no mês seguinte, isto aqueles a quem os patrões ainda vão pagando; o funcionário publico perante um aumento do volume de trabalho, entra às 09:00 e sai às 17.30, sendo que o que não foi feito, logo se fará no dia seguinte; o funcionário privado perante um aumento do volume de trabalho, entra ao serviço se necessário às 07:00 da manhã e se necessário for, sairá às 20:00 ou mais tarde e se não for suficiente ainda vai trabalhar ao fim-de-semana sem remuneração; o funcionário público exige publicamente o cumprimento das suas pretensões, enquanto o funcionário privado procura num intervalo entre reuniões das chefias, dar a entender que precisava de algo mais.

Passemos a analisar então o patrão público e o patrão privado:

O Patrão público perante a falta de competência dos seus funcionários, contrata mais pessoas porque despedir não pode sob pena de ter manifestações à “porta” lideradas por sindicatos que da lei apenas conhecem os direitos, sem quererem perceber que um direito impõe sempre um dever e que todos temos direitos mas também temos deveres; o patrão privado, perante a falta de competência do seu funcionário despede-o de imediato com justa causa, argumentando entre outros, por exemplo, inadaptação para as funções contratadas; o patrão público tenta chegar desesperadamente a acordo sobre o aumento salarial que vai proporcionar aos seus funcionários; o patrão privado simplesmente… não aumenta; o patrão público avalia os funcionários por forma a que possam subir na carreira; o patrão privado dá uma palmadinha nas costas e agradece por ter feito um bom trabalho (há aqueles ainda que desconhecem o significado das palavras: obrigado, está muito bem feito).

Estas são algumas das inúmeras diferenças entre o sector público e o sector privado, pelo que como funcionária do sector privado, não posso deixar de ficar indignada com tanta queixinha de certos funcionários públicos e sindicatos que não sabem sequer o significado da palavra trabalho. Querem trocar? Com certeza a Função Pública ficaria a ganhar por ter nos seus quadros, pessoas habituadas a trabalhar muito e exigir pouco ou nada.

Há que ignorar estas pessoas e se não gostam de estar no público, óptimo, saiam que são demasiados para tão pouca produtividade e experimentem trabalhar no sector privado. Ups, já me esquecia, eles não sabem o significado de trabalho, apenas de emprego.

 
Atenção que existem, felizmente, bastantes funcionários públicos que são excelentes profissionais nas suas áreas e merecem o meu maior respeito. Obviamente que estas críticas não se aplicam a esses, mas esses também não estão constantemente a criticar, esses trabalham, pois conhecem bem o significado dessa palavra.

terça-feira, 30 de julho de 2013


Contratos SWAP

Confesso que Maria Luis Albuquerque nunca me inspirou grande confiança como responsável pela pasta mais importante de todo o Governo: Finanças. Contudo, após as imensas horas a que a Ministra foi submetida a interrogatório na Comissão de Inquérito que ainda se encontra a decorrer, relativamente aos tão polémicos contratos SWAPS e das quais apenas consegui assistir a duas horas, confesso que mudei a minha opinião. Passo a explicar: Irrita-me solenemente e sempre irritou, quando por vezes alguém me faz uma pergunta e após a minha resposta me voltam a interrogar exactamente sobre o mesmo assunto, mas de maneira diferente, à espera de uma “escorregadela” minha, que vá de encontro à vontade do meu/minha interlocutor. Ora bem, foi exactamente a isso que assisti nestas duas horas de audição a que assisti: Uma tentativa desesperada para provar que a Ministra dos Estado e das Finanças havia mentido deliberadamente aquando da sua primeira deslocação à Comissão de Inquérito, no dia 25 de Junho.
De referir, no entanto ,que a Ministra esteve muitíssimo bem: respondeu a todas as questões de uma forma bastante clara e coerente não deixando margem para dúvidas acerca da sua credibilidade. Ainda assim, os seus interlocutores esforçavam-se de uma forma que roçou demasiadas vezes a ignorância, a exigirem respostas da parte da senhora Ministra que ela tinha acabado de dar e tudo porquê? Porque, ainda ela não tinha aspirações a secretária de estado (quanto mais a Ministra das Finanças), e foram efectuados contratos swaps que se revelaram desastrosos para o Estado Português em valores até ao momento de cerca de 1300 milhões de euros e que poderão ainda ser mais elevados, assim se terminem algumas das negociações que se encontram ainda em curso.
Pois é, mas quem poderia adivinhar que as taxas de juros que subiam semanalmente haveriam de descer de uma forma tão abrupta e significativa, fazendo não apenas com que perdêssemos dinheiro como ainda tivéssemos de pagar enquanto as taxas se mantivessem baixas? Difícil entender? Talvez. Contratos swaps, não são nada mais nada menos, que créditos efectuados com taxas fixas, ao invés de indexadas à Euribor (por exemplo). Aqui estamos perante o chamado contrato de swap puro, mas isso não é demasiado mau, pois, se o juro sobe, pagamos a taxa fixa, se o juro desce, continuamos a pagar a taxa fixa. E estando a taxa de juro a subir conforme estava, o negócio era optimo para nós; o problema coloca-se quando de repente se introduzem variáveis que poderão alterar todos os contornos e objectivos que o contrato inicial pretendia, como foi o que aconteceu, e essa variável pelo que entendi, foi o facto de, após uma descida dos juros a partir de uma determinada taxa, nos obrigar a nós devedores, a pagar uma espécie de indemnização ao nosso credor.
Assim, com a crise económica de 2008 e seguintes, assistimos a descidas abruptas das taxas de juros quase diariamente para valores historicamente baixos,levando-nos a que a meta estipulada fosse ultrapassada e fossemos obrigados a pagar aos nossos credores pela descida da taxa de juro.
Mas isto além de não ter sido contratado pelo actual Governo, também não foi previsto pelo anterior, mas no entanto encontramos uma Ministra completamente trucidada na Comissão de Inquérito por algo que não fez e não poderia ser previsto, pelo menos não por ela e pelos vistos nem por muitos economistas.
Valha-nos a paciência para aturar estas situações e não mandar esta gente sossegar e deixar trabalhar quem pretende resolver problemas que não criou.
Mas isto digo eu, que não percebo nada disto…

domingo, 28 de julho de 2013

Do Contraditório como Terapêutica de Libertação


Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga, frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. Talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica.
Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
A coerência, a convicção, a certeza são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.
Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia. Deve ter, não crenças religiosas, opiniões políticas, predileções literárias, mas sensações religiosas, impressões políticas, impulsos de admiração literária.

Certos estados de alma da luz, certas atitudes da paisagem têm, sobretudo quando excessivos, o direito de exigir a quem está diante deles determinadas opiniões políticas, religiosas e artísticas, aqueles que eles insinuem, e que variarão, como é de entender, consoante esse exterior varie. O homem disciplinado e culto faz da sua sensibilidade e da sua inteligência espelhos do ambiente transitório: é republicano de manhã, e monárquico ao crepúsculo; ateu sob um sol descoberto, é católico ultramontano a certas horas de sombra e de silêncio; e não podendo admitir senão Mallarmé àqueles momentos do anoitecer citadino em que desabrocham as luzes, ele deve sentir todo o simbolismo uma invenção de louco quando, ante uma solidão de mar, ele não souber de mais do que da "Odisseia".
Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam d'essa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida.
Quando é que despertaremos para a justa noção de que política, religião e vida social são apenas graus inferiores e plebeus da estética — a estética dos que ainda a não podem ter? Só quando uma humanidade livre dos preconceitos de sinceridade e coerência tiver acostumado as suas sensações a viverem independentemente, se poderá conseguir qualquer coisa de beleza, elegância e serenidade na vida.

Fernando Pessoa, in 'Idéias Políticas'


sábado, 20 de julho de 2013

Portugal

Longe do meu País, ainda que por opção, apercebo-me da falta que ele me faz... Da nossa língua, dos nossos comeres, das nossas paisagens, das nossas pessoas, e isso faz-me ver o meu Portugal de uma outra forma. Aqui em Espanha, apercebo-me que a crise também chegou pelos hotéis que fecharam, pelos restaurantes vazios em plena época alta, até pela falta de "marroquinos" a vender nas ruas... E penso: No meu País é tão diferente... Qualquer cantinho tem História, qualquer  cantinho tem sol, tem calor, em qualquer canto encontramos marroquinos ou ciganos que nos tentam enganar (e enganam, lol) mas que nos ficamos satisfeitos, em qualquer canto temos a maravilha de ter um pouco da nossa História, de tempos que passaram mas que para nós continuam presentes, e tão presentes... Em qualquer canto temos música, alegria, temos... Vida. Por tudo isto e muito mais, tenho muito orgulho em ser portuguesa... Amo o meu País que apesar da crise mantém viva a garra das suas gentes, quais navegadores que partiram séculos antes na certeza de fazer do seu pais nao apenas um País, mas sim um Império. Amo-te Portugal

quinta-feira, 11 de julho de 2013


António de Oliveira Salazar

Há que Pôr Pedra sobre Pedra  

Nunca pensei em ser governo, nunca o quis mesmo, mas interessei-me sempre muito pelos negócios públicos, pelos negócios do País. E aí tem um exemplo, anterior à minha entrada no Governo, que lhe pode dar uma ideia do ritmo da minha acção, da tal marcha vagarosa de que me acusam...
(...) É que me fui habilitando, lentamente, sem precipitações, quase sem dar por isso, liberto de qualquer ambição de ordem pessoal. E assim, quando a minha intervenção na máquina do Estado pôde ser útil, ela foi aproveitada, talvez, como não seria se eu tivesse improvisado uma cultura. Pois com a marcha do País o mesmo acontece. Há que pôr pedra sobre pedra, mas desinteressadamente, sem pensar na glória própria e sem pensar até, excessivamente, na abóbada, na finalidade. A ânsia de chegar ao fim, de fazer muitas coisas ao mesmo tempo leva, às vezes, ao fim, mas ao fim de tudo...


António de Oliveira Salazar, in 'Imprensa (1932)'

D. Carlos I 

Seguir o Nosso Caminho Doa a quem Doer

Siga o governo firme na sua missão de bem governar, que me encontrará sempre firme e pronto a coadjuvá-lo e a dar-lhe força em tudo quanto seja necessário. Há muita coisa a fazer e creio que se pode e deve fazer e temos que seguir o nosso caminho doa a quem doer. As dificuldades que encontrarmos no nosso caminho não devem ser para nos assustar ou fazer recuar, mas sim para as encarar com calma e firmeza. Com calma, firmeza e boa vontade, e essas qualidades creio que as temos, vencer-se-á esta campanha e se o fizermos, como confiadamente acredito, poderemos então descansar um pouco com a consciência de termos feito alguma coisa útil e de termos bem servido o nosso País. Eu bem sei que seria mais fácil, e menos penoso para nós, o tratar de agradar a todos, mas espero também que um dia a opinião pública, que felizmente não é sempre a opinião que se publica, saberá fazer-nos justiça.

Dom Carlos I, in 'Carta a João Franco (1907)'

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Nicolau Maquiavel - Cada vez mais actual

«Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que não ligaram muita importância à fé dada e que souberam cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade».

A Ilusão Política das Grandes Manifestações Populares


Nisto de manifestações populares, o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos factos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos factos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os factos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra factos não há argumentos. Ora só contra factos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os factos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos factos, que pode haver lógica.
Nisto de manifestações — ia eu dizendo — o difícil é interpretá-las. Porque, por exemplo, uma manifestação conservadora é sempre feita por mais gente do que toma parte nela. Com as manifestações liberais sucede o contrário. A razão é simples. O temperamento conservador é naturalmente avesso a manifestar-se, a associar-se com grande facilidade; por isso, a uma manifestação conservadora vai só um reduzido número da gente que poderia, ou mesmo quereria, ir. O feitio psíquico dos liberais é, ao contrário, expansivo e associador; as manifestações dos "avançados" englobam, por isso, os próprios indiferentes de saúde, a quem toda a vitalidade acena.Isto, porém, é o menos. O melhor é que, para quem pensa, o único sentido duma manifestação importante é demonstrar que a corrente da opinião contrária é muito forte. Ninguém arranja manifestações em favor de princípios indiscutíveis. Tão pouco se aglomeram vivas em torno a um homem a quem é feita uma oposição sem relevo ou importância. Não há manifestações a favor de alguém; todas elas são contra os que estão contra esse alguém. É por isso este, não o "homenageado", quem fica posto em relevo. Quanto maior a manifestação, mais fraco está o visado; maior se sente a força que se lhe opõe. Toda a manifestação é um corro-a-salvar-te de quem não pensa contribuir para a salvação senão com palmas e vivas.

É este o ensinamento que toda a criatura lúcida tira das manifestações populares.
Quando a uma criatura, que está em evidência ou regência, se faz uma manifestação que resulta pequeníssima, conte tal criatura com o apoio dum país inteiro. Se a manifestação fosse grande, tremesse então. É que os seus partidários teriam sentido, por uma intuição irritada, a grandeza da oposição a ele, e isso os chamaria em peso para a rua, para, com suas muitas palmas e vivas, aumentar a ele e a si próprio a ilusão duma confiança que enfraquece.

Fernando Pessoa, in 'Idéias Políticas'